segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Histórias das ideias no dance floor

ROÇAI COMO JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Facto histórico: Rousseau nunca usou óculos de sol
Créditos: Ricardo Gaspar



"L'état de réflexion est un état contre-nature,
et l'homme qui médite est un animal dépravé."

Jean-Jacques Rousseau


Na história do pensamento ocidental, nenhum outro filósofo roçou como Jean-Jacques Rousseau. Talvez não seja do conhecimento do leitor, mas Rousseau roçou-se em todo o lado: nas esquinas da vida, na pobreza, na ingratidão, na falta de carácter, na mulher do próximo. Chegou mesmo a roçar a estupidez, por duas ou três vezes. Só não roçou nas pistas de dança, porque na altura não havia discotecas, e no Porto as festas da Gigi estavam longe de ser inventadas.

Mas o que levou Rousseau ao estrelato da história das ideias foi o facto de ter roçado na filosofia e no pensamento político. Roçou tanto que até fez ferida. Ferida e dois quistos – Hitler e Estaline – que tiveram de ser extraídos, pelo menos no caso do primeiro, à faca e sem anestesia. E, como todos se recordam, foi coisa para doer.

Rousseau gostava de publicitar que se esfregava com “liberdade, igualdade e fraternidade”, uma espécie de 3 em 1, à época muito na moda, mas que nem por isso evitava o odor a totalitarismo populista que lhe saía das axilas, capaz de esvaziar qualquer pista. Talvez a isto se deva a admiração que os “grandes” revolucionários sentiram por ele, pessoas pouco dadas a cuidados higiénicos, como se pode confirmar pelo tamanho das barbas, do cabelo e das ‘unhacas’, que tanto gostam de exibir, a sair da ‘sandaloca’, que nem a meia encardida consegue disfarçar.

Mas quem foi Jean-Jacques Rousseau? O que disse? Que livros escreveu? A que se deve a popularidade do seu pensamento? É pensador para se levar a sério? À última pergunta eu respondo que não. Se o leitor procura um pensador para levar a sério, leia o Voltaire, que era muito mais sensato e nunca se roçou em ninguém.

A vida de Rousseau foi contada pelo próprio nas suas Confissões, um acto de contrição em forma de livro, e dava pano para mangas. Mas como tenho apenas 5000 caracteres, vou esforçar-me por ser breve e pôr em evidência aquilo que interessa.

Rousseau nasceu em 1712, em Genebra, que na altura era um estado independente. A sua mãe morreu poucos dias após o parto, sendo por isso educado por uma tia e um pai excêntrico, que, para mal dos nossos pecados, o ensinou a ler e a escrever.

Em termos sexuais tinha gostos excêntricos e gostava de levar “tau-tau”. Segundo as suas próprias palavras, teria sido com Madame Lambercier que se iniciou na cena sadomasoquista, preferência que o havia de acompanhar o resto da vida. Mas isto também não era propriamente um defeito.

Nunca casou, mas viveu em união de facto com a sua criada de quarto, que era feia, ignorante, e não sabia ler nem escrever. Rousseau chegou mesmo a afirmar que nunca a amara. Para ele só o sexo era importante. O amor era apenas uma forma das mulheres manipularem os homens. Os dois tiveram cinco filhos, que foram todos enviados para orfanatos.

Este facto, porém, não o impediu de escrever Emílio ou da Educação, um tratado pedagógico, em forma de romance, onde Rousseau explica como se educa os filhos dos outros. Para o bem e para o mal, este foi um dos livros que mais influenciou o desenvolvimento dos sistemas educacionais da Europa.

Além dos já mencionados Confissões e Emílio, Rousseau ainda teve tempo para escrever o Discurso sobre as Ciências e as Artes, Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens , A Nova Heloísa e O Contrato Social, só para referir os mais importantes.

Escreveu coisas como “nunca existiu democracia, e nunca existirá”, por considerar um “sistema contra a ordem natural”, que só interessa aos deuses – “um governo tão perfeito não convém aos homens”, disse. No entanto, e apesar disso, as suas ideias foram vistas como revolucionárias, e mesmo hoje há quem o recorde como um defensor da democracia e da soberania popular.

Uma das ideias que ele melhor vendeu foi o seu ódio pela sociedade e pela civilização, assim como pelas artes, ciência e toda a cultura em geral. Sem nunca ter ido ao Lux , ou dançado ao som do Supernature do Cerrone, defendeu a teoria do “bom selvagem”: o homem é naturalmente bom, puro e sadio, e a sociedade é que o corrompe.

Rousseau foi, assim, uma espécie de freak do ancien regime, precursor do flower power, e inspirador da “tomada da pastilha” naquela que haveria de ser a primeira grande rave do continente europeu – a Revolução Francesa – e que vinha um pouco na linha das Boston Tea Party, mas com um pouco mais de sangue e gente degolada. Literalmente, uma festa de perder a cabeça.

Para terminar, quero apenas deixar um conselho ao caro leitor: nunca acredite em ninguém que vá para San Francisco e leve uma flor no cabelo. Porque, como disseram os Nofx, inspirados pelos Sex Pistols, “Never trust a Hippy, they'll sell you bad drugs.”


JR

(escrito para a blah, blah, blah - revista do Lux-Frágil - em Março de 2008)




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